Quando a realidade é percebida em sua natureza de perfeição última, o praticante atinge o grau de sabedoria conhecido como mente não discriminativa: uma maravilhosa comunhão na qual não mais existe distinção entre sujeito e objeto.
Quang, isto não é um estágio tão distante e inatingível. Qualquer alguém que persista em praticar tem a chance de, ao menos, provar o seu sabor. Em minha escrivaninha, tenho uma pilha de papeis requisitando a adoção para crianças órfãs. Traduzo alguns deles por dia. Antes de começar a traduzir uma pilha, olho dentro dos olhos da criança na foto, observando atentamente sua feição e expressão. E sinto uma profunda ligação entre mim e cada criança, que me permite entrar em especial comunhão com elas. Ocorre-me agora, enquanto lhe escrevo que a comunhão que experimento ao traduzir uma simples linha desses pedidos é uma espécie de mente não discriminativa. Eu não mais vejo o “eu” que traduz os pedidos para as crianças, não mais vejo a criança que recebe amor e ajuda. A criança e eu somos um só: não há um que se compadece e outro que pede ajuda. Não há tarefa, não há trabalho social a ser feito, não há compaixão. Quang, se esses momentos não são de mente não discriminativa, o que hão de ser então?
Quando a realidade é experimentada em sua natureza de perfeição última, a amendoeira em seu jardim revelará sua natureza, em perfeita totalidade. Amendoeira é ela própria Verdade, Natureza de Buda, Realidade, seu próprio ser. De todas as pessoas que passaram por seu jardim, quantas realmente “viram” a amendoeira? Um artista, por ter o coração mais sensível e aberto, é capaz de ver a árvore de uma forma mais profunda que os outros: já existe uma certa comunhão natural entre ele e a árvore. O que conta é seu coração. Se seu coração não está nublado pelas falsas visões, você será capaz de entrar em comunhão com a árvore; a amendoeira estará pronta a revelar-se em sua totalidade. Ver a árvore é ver o Caminho. Quando pediram a um mestre zen que explicasse a maravilha da Realidade, ele apontou para fora dizendo: “Olhe para aquele cipreste”. Entende o que ele dizer Quang? Eu acho que sim.
- PARA VIVER EM PAZ – Thich Nhat Hanh -
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