Para Aristóteles, a amizade era um exercício entre «iguais», uma virtude partilhada por homens pertencentes à elite da época e de Atenas. Ela tinha pouco de fraternidade, de solidariedade, e envolvia um certo cunho restrito, abstrato, utilitário («Entre amigos, é regra que se receba e se retribua em grau igual, ou muito semelhante», disse ele).
A amizade, para Aristóteles, tinha algo de egoísta («O homem é, para si mesmo, o seu melhor amigo, e, por consequência, deve amar-se a si mesmo acima de tudo»). Ela não incluía desconhecidos, estrangeiros ou as mulheres, que ele considerava «limitadas por natureza».
Podemos, naturalmente, perceber, ou tentar perceber Aristóteles. Temos que considerar a época, os seus preconceitos. E aceitar que a amizade, no sentido mais corrente e geral, pode ser bastante diferente do amor ou da fraternidade, no seu sentido mais exigente.
No entanto, escassas dezenas de anos depois de Aristóteles, Epicuro estabeleceu conceitos de amizade diferentes, e claramente mais avançados. Epicuro inscreveu a amizade numa filosofia de vida em que a cumplicidade, a solidariedade, a simpatia ou o prazer partilhado eram importantes.
A concepção de amizade de Epicuro está muito próxima da amizade moderna, e foi largamente partilhada, durante centenas de anos, por várias comunidades epicuristas, sem as exclusões sociais que Aristóteles concebia.
Num sentido mais geral e menos exigente, a amizade confunde-se, hoje, com convívio, simpatia, cumplicidade, solidariedade. Na visão corrente, a amizade não tem que envolver necessariamente uma relação profunda e ideal, ainda que a nossa exigência a coloque, por norma, muito acima das relações de circunstância, próprias dos simples círculos de conhecidos.
Como tudo o que é humano, a amizade contém em si a nossa ambivalência, as nossas contradições. Ela é frequentemente atraiçoada ou espezinhada. É uma das suas facetas, muito antigas.
Seja como for, a amizade não é apenas um ideal, que os infortúnios mostram ser ilusório. A amizade existe. Necessitamos dela, criamo-la, com diferentes conteúdos, e diferentes exigências.
Podemos, em certos casos, pensar como Sartre, e dizer que «O Inferno são os outros», ou dizer, como Benjamin Franklin, que apenas «há três grandes amigos, na vida: a velha esposa, o velho cão, e dinheiro à mão».
Mas, na sua essência, tais afirmações não deixam de ser posições de ocasião, reflexos de momentos e sentimentos cáusticos e desencantados do homem e da vida, que não anulam a nossa persistente procura de amizade, e a importância e necessidade que lhe atribuímos.
A amizade, no seu sentido mais vasto, é hoje tão indispensável, ou mais indispensável, que no passado. Num mundo como o nosso, com relações tão abstratas e mercantilizadas, sobretudo a nível das grandes cidades, o espaço da amizade e o enriquecimento existencial que ela faculta, é-nos essencial.
Somos seres dependentes de afetos, dependentes dos outros, da camaradagem, da fraternidade, da solidariedade, da simpatia.
Não «vivemos só de pão», como diz Edgar Morin. O nosso eu só se concretiza e existe pelo eu dos outros, como um seu reflexo («Se não houver outros eu, não há eu», disse Tchuang-Tseu). Sem o calor da amizade e do amor, o mundo seria insuportável, lembra-nos também Aristóteles.
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