A classe média lota cursos livres da ciência de Sócrates e Platão, que é adaptada para situações do cotidiano e ganha ares de auto-ajuda
- NELITO FERNANDES -
Quando o estudante carioca Lucas Oliveira, de 16 anos, disse aos pais que queria se matricular num curso livre de Filosofia, a reação foi de espanto. Além da escola e de aulas de inglês, o adolescente aprendia a tocar baixo para formar uma banda de rock alternativo. Hoje, ele discute Nietzsche e a genealogia da moral. Lucas é um exemplo do aumento do interesse da classe média pela Filosofia. Em São Paulo, a Casa do Saber, que cobra R$ 1.200 de mensalidade, tem 723 alunos e 104 na fila de espera. No Rio de Janeiro, o Instituto Mukharajj Brasilan viu o número de alunos quadruplicar em três anos. A diversidade de opções é tanta que já existe curso de arte marcial filosófica, no qual os alunos discutem textos dos filósofos antes de lutar. Mas por que tamanho interesse?
A fórmula deu certo: o curso, que começou como uma reunião na casa de amigos, hoje tem três turmas, cada uma com 40 alunos, e extensa fila de espera. Tudo no boca a boca. O advogado Fábio Ariston, de 28 anos, matriculou-se e, empolgado com as aulas, chegava em casa e discutia os textos com a mãe, a professora Lourdes Ariston, de 54. Não demorou para que os dois virassem colegas de turma. ''As discussões me ajudam a refletir sobre a vida'', diz a mãe. Viviane endossa: ''O mundo vende prazer, mas a gente sabe que a busca pelo prazer só adia a angústia. Com a Filosofia, as pessoas se sentem mais fortes para enfrentar suas próprias questões'', diz a professora-apresentadora. Estaria, então, se aproximando da auto-ajuda? ''De modo algum. A Filosofia não dá a receita, instaura o inquérito'', responde Álvaro Porto, que leciona um curso de autoconhecimento, baseado em textos de filósofos. Coisa de fôlego. São dois anos de aulas, duas horas e meia por semana. Como dever de casa, muita reflexão. Mesmo assim as turmas estão lotadas. A desembargadora Maria de Lourdes Valle é uma das alunas. ''Há um anseio natural da pessoa de se conhecer e entender o mundo. Aqui eu aprendi, por exemplo, a ver o outro como um ser diferente, não esperar dele as mesmas reações que eu teria. O curso me deu a visão de que cada um tem as suas necessidades'', avalia.
A Filosofia avança também sobre a Psicanálise. Na chamada Filosofia Clínica, o filósofo trata o lado emocional dos pacientes. ''A Psicologia trabalha com o comportamento, enquanto a Filosofia lida com a existência. Ambas levam a pessoa a entender suas questões'', explica o filósofo Lúcio Packter, precursor da Filosofia Clínica no país. O tema virou curso de pós-graduação e já é ministrado em 32 cidades brasileiras. Nas sessões, Packter procura ajudar os pacientes citando filósofos. Alguém que, apesar de ser bem-sucedido, sente-se angustiado por nunca ficar satisfeito pode receber como conselho citações de Schopenhauer: ''A vontade jamais pode ser satisfeita, posto que se ela fosse satisfeita deixaria de ser vontade; então, a cada satisfação se reproduz a necessidade, a cada desejo satisfeito um outro desejo surge, e assim infinitamente, nesse círculo infernal da vontade''. O psicanalista Luiz Alberto Py diz que a Filosofia Clínica jamais vai substituir a Psicanálise, porque não investiga o subconsciente. Mas acredita que possa ser útil. ''Muita coisa pode ser resolvida somente com a reflexão.''
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